Quando a Jaguar mostrou o seu novo XK-E em março de 1961, deixou o mundo inteiro embasbacado. Acredito que tenha sido o último grande choque evolutivo na história do automóvel, e comparável em impacto somente ao lançamento do Citroën ID/DS em 1955.
O Jaguar E-type (como ficou conhecido) era primeiro um dos carros mais belos já criados. Belo o suficiente parqa Enzo Ferrari declará-lo "O mais belo carro do mundo". Belo de uma forma absoluta e irrefutável, não belo como um qualquer acha belo um Hyundai i30. Belo o suficiente para virar metro padrão, zero absoluto a partir do qual todos os outros carros são comparados até hoje. Deveria existir já um método científico, uma escala XK-E de beleza a partir da qual todos os carro seriam ranqueados. Assim poderíamos dizer que o Audi A5 é igual a 0.5 XK-E, e o i30 é 0.0000000001 XK-E, só como exemplo...
Mas o fato é que o carro, derivado dos D-type vencedores de Le Mans, era uma verdadeira aparição extraterrestre nas ruas do mundo de 1961, ainda cheias de carros com raízes nos anos 30. Era avançado de uma forma que hoje em dia é impossível de ser, avançado em uma época em que automóveis assim eram abraçados pelo público como uma espiadela num futuro de velocidade, beleza e controle que todos desejavam. Hoje, até os entusiastas, afogados em informação e novidades, são extremamente cínicos a respeito de novos carros, e logo arrumam alguma coisa ruim para falar a respeito de absolutamente tudo. Em 1961, apenas deixavam seus queixos caírem, e recebiam tal coisa como a segunda vinda de Jesus Cristo, deixando-se levar pelo entusiasmo que define sua auto-proclamada condição entusiasta.
Mas o XK-E não era apenas belo. Era um GT sensacional e moderníssimo. Montado atrás do eixo dianteiro estava o famoso seis em linha Jaguar, que apesar de ter sido lançado no longínquo 1948, ainda era atual com seu duplo comando de válvulas no cabeçote, em uma época em que muitos carros normais ainda usavam motores com válvulas laterais. E no XK-E, com três carburadores SU, 3,8 litros, e alta taxa de 9:1 (para a época), rendia declarados 269 cv a 5.500 rpm, estratosférica potência para a época. Logo, viria uma versão de 4,2 litros com mais torque e potência similar. Não que precisasse de mais torque, porque não era exatamente pesado, somando apenas 1.200 kg...A distribuição de peso nos eixos era perfeita, metade em cada um. Além disso, vinha com uma sensacional suspensão independente traseira, com amortecedores e molas duplas e freios montados inboard, perto do diferencial, para aliviar a massa não suspensa. Os freios em si eram a disco nas quatro rodas, outra novidade ainda rara naquele tempo. E lembre-se que Ferraris e Maseratis, que tinham desempenho similar, ainda usavam eixo rígido traseiro em 1961...
Mas ainda melhor que isso tudo era o preço do Jaguar. Custava menos que a metade de um Maserati de seis cilindros, e era um carro ao alcance de grande parte da população dos países desenvolvidos. O famoso repórter da The Motor inglesa, e Porschéfilo inveterado Denis Jenkinson (co-piloto de Moss na Mille Miglia de 1955), quando resolveu trocar seu amado 356 de 1,5 litro, acabou por preferir o Jaguar ao novo 911, dizendo: " Seis cilindros por seis cilindros, melhor 4,2 litros do que 2..." Na verdade, o Jaguar era até mais barato que o Porsche!
Mas a Jaguar, achando que tudo isso ainda era pouco, resolveu declarar que o carro era capaz de chegar a 150 mph, ou 241 km/h.
Mesmo hoje, 241 km/h não é para qualquer um. As marcas de luxo alemãs têm um acordo que impede seus carros de passarem dos 250, mesmo com toda a segurança ativa e passiva de hoje. Em 1961, bem... Alguns carros de pista podem ter sido usados em estradas a estas velocidades, mas algo de série? Algo vendido a 2.000 libras esterlinas? Aquilo era notícia de primeira página! Muita gente duvidou, mas logo aparecia um teste da Autocar inglesa que comprovava o fato, imprimindo em suas sagradas páginas a velocidade máxima de 150 mph. A Autocar é a mais antiga publicação automobilística do mundo, e não podia mentir!
Só que nenhum E-type testado depois desse, em toda longa história do carro, chegou nem perto disso, todos estacionando em algo próximo a 220 km/h. Teria a augusta publicação mentido?
Não exatamente. Ela alcançou esta velocidade em um E-Type, ainda que só em um... Em 1994, em uma coletânea comemorativa dos mais importantes testes de sua história, a Autocar republicou o teste e contou o que houve, desfazendo o mito dos 150 mph de forma definitiva.
Consta que, depois de realizar toda bateria de testes tradicionais da revista, chegara a hora da velocidade máxima. Mas a revista não tinha onde testar, em solo britânico de 1961, um carro veloz como o E-Type. Recorreu então a um artifício comum naquela época: a autoestrada perto da cidade de Jabbeke, na Bélgica. O carro foi devolvido a Jaguar antes da viagem, para que fosse, por segurança, checado e regulado para o teste a alta velocidade.
Mas quando o carro retornou para a revista, algo tinha mudado. Soava mais grave, sério e alto. Na viagem até Jabekke, o consumo de combustível foi prodigioso, bem maior que o normal. O carro voltou também equipado com pneus Dunlop R5, na verdade pneus de competição que a revista lista no teste como “opcionais”, mas de novo foi algo que nunca se viu num carro de produção normal depois disso.
O carro realmente atingiu os 150 mph, e na volta a Jaguar quis rapidamente reaver o carro, sem dúvida com medo que seu embuste fosse desmascarado. A revista publicou o número mágico, e até hoje muita gente boa acha que um E-type original atinge 150 mph.
Com certeza os ingleses da Autocar sabiam do engodo, mas preferiram ficar quietos. Afinal, testaram um carro àquela velocidade, e teoricamente não tinham provas de que algo tinha sido feito na fábrica, porque, pasmem, nem levantaram o capô na viagem à Bélgica!
Na verdade, acredito que não quiseram foi estragar a festa da Jaguar. Algo tão incrivelmente legal, vindo da Inglaterra, não podia ter sua reputação manchada logo de cara por causa de uma bobagem dessas...
Fonte: AutoEntusiastas